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Evgeni Pachukanis e o Direito

1. Quem foi Pachukanis?

Evguiéni Bronislávovitch Pachukanis, também conhecido como Eugênio Pasukanis, nasceu em Staritsa em 23 de fevereiro de 1891 e faleceu em Moscou em 4 de setembro de 1937. Ele foi um renomado jurista soviético e membro do Partido Bolchevique, sendo amplamente reconhecido como o mais destacado teórico marxista no campo do direito.

Pachukanis estudou na Universidade de São Petersburgo e na Universidade de Munique. Ele se envolveu com as atividades do Partido Bolchevique desde 1912, tornando-se membro oficial em 1918. Durante sua carreira, ocupou vários cargos no governo após a Revolução de Outubro de 1917. Alguns de seus cargos mais notáveis incluíram vice-comissário do Povo para a Justiça, diretor do Instituto de Construção Soviética e Direito, e vice-presidente da Academia Comunista.

Sua contribuição ao pensamento jurídico marxista foi profunda, e ele se tornou uma figura central na escola dos juristas marxistas soviéticos dos anos 1920. No entanto, com a ascensão de Stálin na década de 1930, as ideias de Pachukanis entraram em conflito com a direção política do governo soviético. Isso levou a um período de negação e “autocorreção” de sua teoria. Infelizmente, em 1937, Pachukanis foi preso, condenado e posteriormente executado, sendo declarado “inimigo do povo”. Sua obra foi renegada e proibida até 1956, quando, após a morte de Stálin, foi “reabilitada” e voltou a ser objeto de estudo entre os juristas soviéticos.

2. Sua obra

A contribuição mais significativa de Pachukanis ao pensamento jurídico marxista foi sua obra “The General Theory of Law and Marxism”, publicada em 1924. Neste trabalho, ele introduziu a “Commodity Exchange Theory of Law”. Esta teoria foi construída sobre dois pilares do pensamento marxista:

  1. Na organização da sociedade, o fator econômico é primordial; portanto, princípios e instituições legais e morais constituem uma espécie de superestrutura que reflete a organização econômica da sociedade.
  2. No estado finalmente alcançado do comunismo, o direito e o estado desaparecerão. Se o comunismo for alcançado, a moralidade, como é tipicamente entendida, deixará de desempenhar qualquer função.

Em “The General Theory of Law and Marxism”, Pachukanis criticou a teoria pura do direito avançada pelo proeminente legalista positivista europeu, Hans Kelsen. Enquanto Kelsen manteve uma separação estrita entre normas legais, por um lado, e as relações sociais reguladas por essas normas, por outro, Pachukanis argumentou que “a relação tem primazia sobre a norma”, porque o direito sem eficácia é inexistente. Ele também argumentou que as teorias dos positivistas kelsenianos estavam simplesmente “limitadas exclusivamente a ordenar os vários conteúdos normativos de uma maneira logicamente determinada”, e que a teoria pura do direito “não explica nada e se afasta desde o início dos fatos da realidade, isto é, da vida social”.

Além de sua teoria, Pachukanis e outro jurista soviético, Pyotr Stuchka, compilaram uma “Enciclopédia de Estado e Direito” e iniciaram um periódico chamado “Revolution of Law”. No entanto, suas teorias e abordagens não foram isentas de críticas e desafios, especialmente durante os anos 1930, quando as políticas stalinistas começaram a dominar o cenário soviético.

3. A forma jurídica

A teoria da forma jurídica de Pachukanis é profundamente enraizada na análise marxista da forma mercadoria. Ele argumentou que a forma jurídica é o paralelo da forma mercadoria na sociedade capitalista. Em outras palavras, assim como as mercadorias são trocadas no mercado com base em seu valor, os sujeitos legais interagem com base em direitos e obrigações que são abstraídos de suas particularidades concretas.

A teoria pode ser resumida em duas premissas principais:

  1. “Toda relação jurídica”, proclama Pachukanis, “é uma relação entre sujeitos”. O ponto de partida conceitual de Pachukanis para o direito é a ideia de um agente responsável – o que ele chama de “sujeito jurídico”.
  2. A propriedade, segundo Pachukanis, é a base da forma jurídica, mas apenas a propriedade capitalista que pode ser alienada no mercado. O sujeito no direito é a expressão da liberdade de propriedade, ou seja, a liberdade de alienar a propriedade.

Para Pachukanis, a chave para entender o direito é a contradição entre mercadorias e sujeitos. As mercadorias, de acordo com Karl Marx, se relacionam entre si como valores, ou seja, a troca ocorre com base em quantidades equivalentes de tempo de trabalho incorporado em mercadorias que passam entre compradores e vendedores. Isso indica que existem relações sociais entre coisas e relações materiais entre pessoas.

O contrato, para Pachukanis, é tanto logicamente a premissa legal central sobre a qual todos os outros aspectos do direito se baseiam, quanto a expressão mais alta do sujeito proprietário de mercadorias. Isso ocorre porque são as relações contratuais que são cruciais para a sociedade de produção de mercadorias, uma vez que o contrato é a expressão legal necessária da capacidade dos proprietários de mercadorias de usar suas mercadorias no mercado. Para Pachukanis, todas as outras formas de relações jurídicas no capitalismo decorrem disso.

A teoria da forma mercadoria é relacionada à teoria do fetichismo da mercadoria de Marx. Marx argumentou que a mercadoria era uma forma fetichizada porque a igualdade formal que a forma mercadoria postulava era apenas uma igualdade aparente. A forma jurídica é cega para as diferenças humanas substantivas, assim como a forma mercadoria é cega para as diferenças substantivas no valor de uso.

4. Conclusão: uma crítica sem conciliação com o capitalismo

A abordagem de Pachukanis ao direito, enraizada na teoria marxista, oferece uma crítica contundente ao sistema jurídico capitalista. Ele não apenas identifica a forma jurídica como um reflexo da forma mercadoria, mas também argumenta que a própria natureza do direito sob o capitalismo é inerentemente limitada e distorcida por sua ligação com as relações de produção capitalistas.

A teoria de Pachukanis sugere que o direito, sob o capitalismo, não é uma entidade neutra que simplesmente reflete a justiça ou a moralidade. Em vez disso, é uma construção que serve aos interesses da classe dominante, perpetuando as relações de poder e propriedade existentes. A forma jurídica, assim como a forma mercadoria, é uma abstração que oculta as verdadeiras relações sociais e econômicas subjacentes.

Além disso, a visão de Pachukanis sobre o direito é intransigente em sua crítica ao capitalismo. Ele não busca conciliar ou reformar o sistema jurídico capitalista, mas sim destacar suas contradições inerentes e sua eventual superação em uma sociedade comunista. Em tal sociedade, argumenta Pachukanis, o direito e o estado desapareceriam, pois não seriam mais necessários para mediar as relações sociais.

Em resumo, a obra e as teorias de Pachukanis oferecem uma perspectiva marxista rigorosa sobre o direito, desafiando as concepções convencionais e buscando uma compreensão mais profunda das relações entre direito, economia e poder. Sua crítica ao direito capitalista é uma chamada para repensar e reimaginar as possibilidades de justiça e igualdade em uma sociedade pós-capitalista.

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